Análise do poema: Todos - Gregório de Matos

quarta-feira, 9 de maio de 2018


"O todo sem a parte não é todo; 
A parte sem o todo não é parte; 

Mas se a parte o faz todo sendo parte, 

Não se diga que é parte, sendo todo.

Em todo o sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.  

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.  
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo."

O soneto de Gregório de Matos Guerra já expressa no título um dos temas favoritos da estética barroca, – aproximação de opostos, aqui representados pelas ideias de PECADO e PERDÃO,  presentes em “PECADOR CONTRITO” (pecador arrependido).
       Na primeira estrofe, o poeta se confessa reiteradamente: repete três vezes o verbo ofender e usa duas vezes seu sinônimo delinquir. Tanto nessa como na estrofe seguinte, sua preocupação é reconhecer o pecado como culpa única e exclusiva de sua maldade e vaidade – seu lado terreno.
       Esse primeiro bloco de ideias, representados pelos dois quartetos, foi iniciado com o verbo ofender. O segundo bloco, composto pelos dois tercetos, inicia-se com o verbo arrepender, seu oposto, o que indica mudança na linha de raciocínio. São conceito que vão se constituindo ao longo do poema, privilegiando dessa forma uma característica peculiar ao Barroco – o conceptismo. O poeta não apenas se admite culpado, mas declara a profundidade de seu arrependimento como atesta o verso: “Arrependido estou de coração”. O que transparece, então, é o desejo de salvação – seu lado espiritual -, tão profundo que faz o poeta abandona aos poucos a contenção emocional do início, até explodir na ardente exclamação: “Misericórdia, amor, Jesus, Jesus!”.
       É importante registrar que Gregório de Matos usou no poema uma figura de linguagem conhecida como anadiplose, que consiste em retomar o último termo de cada verso no início do verso seguinte, em um estimulante jogo de palavras – acentuando o cultismo. Essa retomada contínua de palavras cria no poema uma espécie de movimento ascendente, espiralado, que culmina na explosão final e constitui um belíssimo exemplo de emprego da linha curva, traço marcante de toda arte barroca, aqui expresso na linguagem.
     Fonte:
      Ferreira, Marina. Português: literatura, redação, gramática – São Paulo: Atual 2004. Disponível em <https://faciletrando.wordpress.com/category/analise-de-poemas-de-gregorio-de-matos/>. Acesso em 09 de mai. 2018.